Escola de Escrita

A noite estrelada

[um conto de Karina de Souza Barbosa]

Já não tenho mais disposição para os assuntos lá de fora. Aqui dentro é calmo, silencioso e posso olhar para a noite, para dentro de mim. Cada vez mais, para dentro de mim. Desta janela, eu consigo ver a vida, mesmo adormecida.  

A noite azulada tem o movimento do vai e vem da existência e ainda que todos estejam dormindo, a vila não está parada, mas viva, com a lua andando pelo céu e as estrelas iluminando as casinhas ao longe. Penso que as estrelas guardam um segredo transcendental e sempre busco o silêncio noturno para tentar ouvi-las, mas ainda há muito caos aqui dentro e não é possível me concentrar o suficiente. A solidão enche a noite e vai comigo aonde quer que eu vá. É minha grande companheira, mesmo lá fora, com outras pessoas. Lá, ela é ainda mais efusiva. 

Mas tem este grande cipreste que se ergue magnífico em direção ao céu. Como não há vento, ele parece parado igual pintura, mas, se for observado mais de perto, há universos em sua vastidão. Pássaros conversam entre si, uma cigarra dá o melhor na cantoria, uma mamãe passarinho aninha seus filhotes no ninho, enquanto a leve brisa movimenta discretamente os galhos, fazendo cair uma folha aqui e outra ali. A árvore parece me chamar para chegar mais perto e, quando sento debaixo dela, sinto a força e a coragem da terra e temos longas conversas sem palavras, que me possibilitam ir ainda mais para dentro de mim, um lugar estranho para se estar.  

Mesmo na calada da noite, algumas luzes escapam de uma janela ou outra. Pessoas despertas enquanto todos dormem. Corações inquietos e reflexivos, talvez tentando entender a existência da noite estrelada, da lua no céu, da árvore frondosa, da mamãe passarinho e seus filhotes, do canto da cigarra, das folhas que caem aqui e ali. Fico imaginando quais seriam as histórias por trás das luzes acesas e minha imaginação vai longe, criando cenários e histórias tão vivas que me fazem chorar. No cipreste, uma coruja me observa, enigmática, como se fosse a detentora de todos os mistérios da noite.   


* Este conto foi produzido a partir de exercícios do Laboratório de Contos, ministrado em 2023 pelas professoras Julie Fank e Luci Collin.