Escola de Escrita

juneau

[um conto de Marcelo Wilinski]

palitou os dentes antes de vestir a carapuça, por muito tempo não poderia mais deixar o rosto à vista. sorte que a tenho, caso contrário não estaria nem aqui, beijar outro homem por dinheiro algum, disse o homem de terno. o homem de vestido, mais despojado, via a arte como ponto final. tudo vale pela eternidade em cores, queria mais é ser testemunha do momento. o vestido, deslumbrante, chamava a atenção. vermelho longo, com ombreiras discretas, deixavam o colo dele em evidência, um pouco flácido e protuberante, além de afinarem a polpa dos braços, peludos só até a metade, longe dos cotovelos. próximo à cintura, brilhantes demarcavam bem as curvas de um quadril andrógeno, sem bunda ou o mínimo de requebrado. caia liso e leve pelo chão, quase um longo véu. o terno, bom, era um terno. qualquer, daqueles que se aluga em qualquer esquina. fino, frágil, cheio de alfinetes escondendo o excesso do que foi feito para caber em qualquer corpo. a gravata incomodava, sempre torta, mesmo com mais um alfinete. arrumo as luzes desviando qualquer orientação do diretor, mas me assusto fácil com gritos e esqueço de como havia deixado hoje de tarde, queria ter colocado mais uma fonte direcionada ao fundo, agora os cantos ficarão muito escuros. paciência! o homem de terno veste a carapuça definitivamente e passa o excesso por volta do pescoço, como um cachecol. ficou elegante, parece muito o homem de vestido quando usa terno.


* Este conto foi produzido a partir de exercícios durante o Laboratório de contos, ministrado em 2023 pelas professoras Julie Fank e Luci Collin.