[um conto de Maurício de Olinda]
O diminuto ponto zanzando no ambiente era o mosquito Quinta-feira, pois caso nascesse amanhã, seria sexta-feira. Este pretinho era um prodígio, autodidata, amadurecido. Como acontece a todos os pequenos gênios, os outros mosquitinhos, com sua mesma idade de minutos, o deixavam solitário, remoendo-se no próprio zunido. Escutava-se e detestava-se, porque sonhava viver em silêncio, em algo para se abafar. E como o homem é fascinado com a imensidão do mar, Quinta-Feira era fascinado pela imensidão do homem. Tantos orifícios, certamente mais silenciosos que essa opressão do mundo. Por viver intensamente cada segundo, autodidata, entendeu que o zunido irritava sua presa-obsessão. Precisava internalizar como planar, aguçar sua porção de olhos, lubrificar melhor as asas que produz o barulho, orbitar o homem e adentrar por aqueles canais interníssimos, ao encontro do desconhecido, como Jaques Cousteau que zune. Quinta-feira, o mosquito superdotado e perturbado, caso fosse amanhã seria Robinson Crusoé. Nem vi quando se enfiou no meu tubo auditivo. O zumbido era enlouquecedor a ponto de eu sangrar minha cabeça contra a parede. Parou. Será que saiu? Ou aprendeu seu último desejo? O de nunca mais zunir.
* Este texto foi produzido a partir de exercícios do Laboratório de Contos, ministrado em 2023 pelas professoras Julie Fank e Luci Collin.